"Falando sobre o Vai dar certo.
No
inicio quando a gente começou a ideia da residência era hospedagem coletiva,
exposição de quadros e outras coisas de outros artistas. E trazer pessoas de
outros lugares. Resolvemos fazer um sarau e a ideia do sarau era fazer com a
galera daqui, porque tinha uma galera que já estava colando junto que era a
galera do Coletivo do saber, molecada que escreve e tal, e já frequentavam a
residência. De inicio o sarau acontecia
dentro da residência , mas antes do sarau a gente fez um cine club. Fizemos uma
sessão, convidamos os vizinhos e rolou uma galera legal, mas a gente pensou que
antes do sarau a gente tinha que realizar um outro projeto e esse projeto vai
expandir o alcance. E foi ai que nós pensamos o trilha das artes, nesse
processo de trazer pessoas de outras cidades. O artista de rua de Recife
entrava em contato com a gente e ficava hospedado na residência e ministrava uma
oficina de, malabares, por exemplo. Dai veio um cara de são Paulo e ele fez em
cada ponto de uma rua um grafiti. Ai nós fomos mapeando de um graffiti ao
outro. E aos poucos a gente foi construindo essa trilha de grafiti, de escrita
urbana, estêncil, performances, enfim e todas essas artes elas faziam uma
trilha que dava na residência.
Ai a gente fez o trilha das artes e promovemos o
primeiro sarau lá dentro.
Deu bastante gente, mas nós pensamos em fazer lá fora
porque ai quem passa na rua também pode ver. E a gente foi fazendo e criando
uma relação com os pontos culturais de lá. Porque o Pici é um bairro que tem o
ESCUTA, o Muquifo, o museu da boneca de pano, o CCJ e um mote de coisas e
a gente foi fazendo a trilha desses caminhos também, ligando um ponto cultural
ao outro. E a gente sempre foi pensando de que maneira a gente podia atrair
mais gente. Trouxemos o teatro. Então no primeiro que fizemos do lado de fora
eu já apresentei ”A isca”, no segundo teve o “O boteco do seu Noel” que foi a
tarde e já teve muita gente. Começamos a fazer cortejo. Eu fui lá pra quadra e
vim pelas ruas gritando sobre o sarau, o espetáculo, o local e tal, e veio uma
ruma de gente, de menino, de bicho atrás de mim.
E ai já foi outra relação.
Depois disso incorporamos o cortejo a todas as apresentações.
Fazia o cortejo
ai começa o espetáculo e começa o sarau. A gente sempre teve a poesia como
carro chefe, então eram duas horas de poesia e a gente terminava com música.
No
inicio tinha gente que vinha para o teatro e ia ficando pouca gente para a
poesia. E eu e o Emol a gente já escrevia um pouco, ele escreve também, mas não
da maneira que eu escrevo, eu trago contos periféricos na narrativa marginal,
ou seja, eu estou falando a linguagem da galera. Então a gente começou a
estabelecer esse tipo de relação com a poesia, onde a interpretação também
entra e as pessoas vão sendo atraídas para a poesia. Ai já vinha a desconstrução
da palavra. Foi bem doido assim, porque a gente conseguiu também ter público
durante a poesia, e sempre acumulando mais gente, a rua foi ficando pequena, a
gente foi criando uma cenografia para essa rua.
A gente convidava, por exemplo,
Rafael Duarte para fazer pintura ao vivo, dai ele chegava com uma tela e
começava a pintar e quando terminava o sarau ele estava com a tela pronta. Antes
de fazer a tela ele já começa a leiloar a tela na internet. E durante o Sarau a
gente ia fazendo fotos e postando, ai a galera vai aumentando os lances e tal.
A gente foi criando uma cenografia para a rua. A rua era linda, ela era
estreita e as casa eram altas. A gente foi ganhando a rua, depois a gente
ganhou a rua do lado, depois a outra rua do lado e quando demos fé estava toda
a comunidade indo para a rua. E os meninos que iam ver a gente recitando,
começou a recitar também e a assumir essa parada de produção.
Depois de um ano
e meio, a residência cumpriu sua função, a gente fechou a residência e segura
só o sarau. Como não tem mais residência à gente não tem mais uma base, que é
essencial. Aos poucos a gente não tinha
mais necessidade de fechar a rua, os vizinhos mesmo perguntavam: vai ter a
festa da poesia hoje? E ai fechavam a rua com cones, com o carro , mas quando nós
entregamos a casa a gente teve que mudar de lugar.
A gente já tinha vontade de
fazer sarau na praça, só que nessa praça já morreu muita gente. Ela fica onde
tinha uma divisão no bairro. Há vinte anos atrás, isso foi apaziguado quando
criarão a quadrilha junina. O cabeça de um lado e de outro fizeram a quadrilha,
juntarão e acabou-se a matança. Mas há um não atrás começou novamente, tanto é
que no terceiro sarau, durante o sarau, umas 20:30 matarão um cara na outra
rua, ai a comunidade já fica tensa. Antes 23:30 tinha gente na rua, moleque
jogando bola na quadra, um cara vendendo espeto na esquina, mercearia aberta,
tudo funcionando, nesse dia 20:30 tudo fechou, não tinha ninguém na rua, só a
gente na quadra. Ai veio o Jonas de Jesus, que já é de lá dentro mesmo,
mandaram dizer que vocês só podiam ficar aqui até as 22h porque vocês não tem
nada haver com o que está acontecendo. A gente ficou até umas 21:40 e
terminamos.
Quando muda pra quadra, a galera que vinha de fora não vem mais porque
ficou distante da parada, as ruas vão se estreitando e fica mais difícil de
chegar. Retomamos o trilha das artes, com a ideia de pegar todas as paradas de
ônibus perto e fazer pegadas das paradas até a quadra.
A gente faz varias
pegadas, ai escreve uma poesia, isso no asfalto, e estêncil nas paradas e a
gente faz várias pegadas também da praça ao Muquifo, da praça ao CCJ, da praça
a todos os lugares. Ai fizemos a mesma coisa, conversamos com todo mundo ao
redor da praça. Se alguém quer tomar cerveja, tem o tio dali e o tio daqui, ai
o banheiro a galera o usa o dele. Quem quiser comer salgado tem o tio aqui da
frente, quem quiser comer churrasco tem o tio aqui da esquina, a tia da
batatinha. Retomamos os cortejos só que agora o cortejo tem que ter mais força,
porque uma pessoa só não consegue levar gente para a praça, juntamos com uma
galera do bairro vizinho e começamos a fazer cortejo todo inicio do sarau. Agora
a gente tem muita gente no Sarau, mas 95% dessas pessoas são da comunidade.
Diferente de antes que 50% era da comunidade e 50% de fora.
Mantendo essa ideia
de manter a poesia na narrativa periférica, a gente fala a língua das pessoas e
elas se sentem mais a vontade pra chegar. Então eu acho que formar público é
mais esse dialogo mesmo. Se a gente chegar 18:30 dizendo que vai ter um sarau
daqui meia hora na quadra, não rola, porque ela não vai ter tempo de se arrumar
para ir, mas se eu chego na casa dela 17h e digo que as 19h vai ter um sarau,
ela tem tempo de se arrumar e ainda banhar os meninos. Ai também foi outra
questão, porque tava dando muita criança e os moleques ficava andando de
bicicleta na praça durante o sarau. Ai combinamos que quem tem bicicleta vem
todo mundo de bicicleta, 18:30 a gente libera as bicicletas para todo mundo
andar, agora as 19:30 a gente começa o sarau ai só pode andar de bicicleta
depois. Ai deu certo, quando dá 19:30 todo mundo encosta as bicicletas e as
crianças sentam e ficam assistindo o sarau. A gente tá sempre tentando
articular com a comunidade, trazer mais gente, fazer com que as pessoas se
sintam a vontade para chegar. Porque quando era na residência a gente já
conseguia fazer com que a senhora da frente pegasse um livro e recitasse uma
poesia, isso a gente ainda não consegue na quadra. Então a gente pedia pra que
as pessoas levassem livros e fica lá pra quem quiser pegar, por exemplo, eu
recitava uma poesia de um livro, ai no final eu dava o livro de presente para a
dona Joana do pastel. Ai no outro sarau a dona Joana vinha e recitava uma
poesia do livro que ela ganhou. A gente foi conseguindo estabelecer essa
relação. Eu acho que a internet funciona, mas depende do público que você que
alcançar. Eu acho que o boca a boca, o cortejo, o convite pessoal, dentro
dessas comunidades é mais eficaz.
(Edvaldo Ferrer, ator e poeta, sobre a experiência do sarau Vai dar certo. Roda de conversa: publico dialogo sobre formação de plateia. 2 sabacu da arte no sistema. 20/06/2015)
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