quarta-feira, 24 de junho de 2015

DESFORMAÇÃO DE PLATEIA - Altemar Di Monteiro - Roda de conversa: Publico - Dialogo sobre formação de plateia

Eu sou um entusiasta do Sabacu, 

acho que tem uma potencia poética muito singular, inclusive pelo titulo do evento: Sabacu da arte no sistema. 
De fato, esses sabacus podem ser dados no sistema de outra forma, dependendo da forma como a gente pensa o sistema, e da forma como a gente vai lutar contra ele, que não é o habitual. 

Então existe uma singularidade poética que suscita já uma novidade, uma forma diferenciada de pensar. Quando eu fui convidado para esse dialogo sobre público: dialogo sobre formação de plateia, e fiquei muito feliz porque é uma oportunidade da gente pensar como dar um sabacu da arte no sistema junto com o publico. Quem é esse público?

Eu fiquei pensando numa questão que é a última e que pode ser a primeira: quantidade não é qualidade. Por exemplo, o que nós, que somos oito significamos enquanto potencia de construção deste sabacu?  E esse exemplo, de estarmos nós oito aqui, já é um modelo para pensarmos o que significa formação de plateia, e com quem é que a gente quer dialogar, eu acho que é do pequeno, do não-hegemônico, que a gente consegue construir, de fato, outras estruturas. Eu fui recentemente assistir ao show da Ivete e do Criolo, e eu passei um tempão percebendo a quantidade de gente que tinha ali, tinha muita gente. Tinha uma galera enorme que curtia a Ivete e uma galera menor que curtia o Criolo, porque ele é menos conhecido, mas houve ali um encontro entre as duas tribos, uma tribo gigante que gosta da Ivete Sangalo e uma tribo nova que está tateando o que é o Criolo e o que ele significa. Eu fico pensando em que canto a gente está, num exemplo bem rasteiro. Nós somos Criolo ou somos Ivete? 
Para que a gente possa ir começando a pensar com que tipo de público a gente está falando, qual a quantidade desse público, qual a qualidade dele, quando eu digo qualidade não é dizer se é bom ou se é ruim, mas em que espécie ele se localiza nessa sociedade explosiva de consumo em que a gente vive, onde tem tanta coisa pra se ver. Então, nós estamos falando de um outro público, de uma outra plateia, de uma outra formação de plateia, que importa a gente localizar isso, senão a gente vai estar o tempo todo reproduzindo um discurso de Sistema. Onde o que importa é a quantidade e não a qualidade. È importante a gente pensar como a gente pode construir poeticamente esses sabacus. E pensar na gente como uma potencia de um grupo de oito pessoas dialogando sobre um tema de interesse comum. De antemão eu pensei nas palavras chave desse titulo: PUBLICO: DIALOGO SOBRE FORMAÇÃO DE PLATEIA. São quatro palavras muito importantes.



Publico: Uma pergunta muito singular a se fazer é quem é esse público? E o que é público. A palavra “público” ela é muito dúbia. Às vezes a gente confunde público com plateia. Qual a diferença entre público e plateia?

Dialogo: é uma palavra que tem tudo haver com o que a gente precisa começar a pensar, essa via de mão dupla, onde eu conversando com o outro estabeleço espaços de troca. Dialogo é a chave pra gente pensar a ruptura com a colonização. A quebra com oque vem de cima para baixo. Dialogo é à base de todo o nosso pensar, onde qualquer instancia de formação de plateia deve se entender como um bem comum e não como uma coisa diferenciada. Onde o artista vai trazer uma salvação para aquela pessoa que está assistindo. Essa é uma cilada muito perigosa, porque de uma maneira geral, os modelos que a gente tem de formação de plateia em Fortaleza, eles partem desse principio. Nós vamos chegar, por exemplo, no Bom Jardim, vamos colocar um centro cultural e nós vamos formar uma plateia ali, porque nós temos uma noção muito aprofundada sobre o que é arte, e nós vamos levar para eles. Os jesuítas já fizeram isso há muito tempo. Essa palavra “diálogo” abre portas para gente pensar o sabacu. Pra gente não continuar reforçando modelos muito estranhos, que estão sempre no caminho da verticalização dos processos, dessa coisa de cima para baixo, onde a gente não constrói de fato um dialogo.

Formação: O que é formação? Nessa palavra, dentro dela, existe a palavra “forma”, e oque é a gente enformar algo? Um bolo é feito numa forma e por isso fica daquele jeito, bem bonitinho, e você pode fazer milhares iguais. Formação é uma palavra muito perigosa, a gente precisa discutir sobre ela porque também ela é um risco de cair nessa estrutura catequizadora. A escola, as universidades, a igreja, a prisão... Enfim. Uma serie de instituições com poder na sociedade e que estão interessadas em formação. Essa palavra precisa ser discutida, não para ser descartada, mas para a gente entender que ela é uma palavra complexa e que tem muitas questões nela que a gente precisa entender para não cair no discurso da forma.

Plateia: A ideia de plateia é bem singular na arte no contexto do século XX. Plateia é quem está lá para escutar. Por exemplo, eu estou falando e vocês estão me escutando, mas acho que o ideal aqui é que existam cortes para que a gente possa dialogar. Que a gente possa construir outros fluxos de construção de pensamento. O que eu estou falando não é necessariamente uma verdade, não é uma lógica que produz uma razão única e inquestionável, muito pelo contrario, essa troca ela deve ser constante.


Pensar sobre essas quatro palavras é uma chave para pensar o que significaria formação de plateia. Essas palavras elas constroem relações. O dialogo é uma porta de entrada para pensar no público e formação de plateia como duas palavras mais perigosas. Quando a gente forma uma plateia a gente resolve um problema, traz para ela a salvação. E eu acho que a gente tem que pensar é na desformação dessa plateia. 
Porque nós temos plateia formada, formada pela televisão, pela mídia, pela comunicação, pela publicidade, pela propaganda, pelas instituições de poder, pela escola, pela o que a escola é, por tudo o que as pessoas vivem elas já estão muito formadas, elas tem uma maneira de olhar o mundo, elas tem uma visão sobre as coisas. E ai a gente enquanto artistas, enquanto pensadores da cultura, vai chegar e trazer uma nova forma, uma nova formação? Eu acho que a gente precisaria pensar em como a gente desconstrói essa formação. Realmente uma desformação de plateia, tirar as pessoas desse espaço da forma, porque assim o sujeito pode caminhar para uma emancipação

Como desformar uma plateia? 
Como desconstruir seu discurso? 

É preciso desfazer ideias, formas. A gente como artista, às vezes, nos achamos a solução do mundo. Mas acho que já há tantas certezas no facebook, esse fundamentalismo religioso destruindo tudo, essas crises politicas na América latina, são resultados dessas certezas e as vezes a arte vai para o mesmo canto, colocando a realidade dentro de uma forma, para levar para o publico, formar esse público para traze-lo para a gente. Enfim, acho que precisamos desconstruir esse discurso, para que a gente encontre outras formas de perceber a sociedade, a comunidade, formação, plateia, o que é público e qual é o nosso interesse. Como fazer isso? Eu Não sei. Acho que a palavra chave para nos ajudar a pensar nisso tudo é dialogo. No dialogo a gente consegue construir o novo, a gente encontra com o outro, a gente se encontra com uma possibilidade que a gente não conhece, as possibilidades que não conhecemos é que são a potencia de reviravolta, até porque eu acho que o mercado de cultura brasileiro já procurou tantas salvações e nenhuma delas deu certo, muitas foram engolidas pelo sistema e viraram produto de mercado. Quando a gente pensa um Sabacu da arte no sistema precisa ser asistêmico, para que a gente consiga subverter a ordem.

A gente teve uma experiência agora recente no “Jardim das flores de Plástico”, ele suscitou muitas questões ao longo do processo, porque é um espetáculo em cortejo que acontecia com o publico seguindo e em vários momentos dessas apresentações a gente tinha multidão, em outros momentos não tinha, então quando tem menos gente eu posso construir uma relação com o olhar, numa plenária maior, as relações de afeto são mais difíceis, essa é uma questão para pensar. Existe uma singularidade nesse publico de oito pessoas.

Que público é esse?
O que ele pensa?
Que teatro fazemos?
Com quem devemos dialogar enquanto ato de escuta?

Quando a gente escuta o nosso publico ele trás para a gente questões muito importantes, que fazem parte do universo dele, da vida cotidiana dele, e que talvez ele nem saiba dizer. A partir dessa escuta a gente consegue construir outros discursos.

É importante a gente notar que a profusão de imagens que tem na periferia suscita uma beleza muito singular, ali existe sim uma outra forma de pensar o mundo, e as vezes a gente não capta isso. A gente vai no contrario, captando modelos e formas que não são nossas pra levar para a periferia e mostrar que essa é a forma. E na periferia há uma forma de se relacionar com a cidade que cotidianamente dá sabacus no sistema e a gente nem percebe.

Pra encerrar, acho que podemos pensar as artes como esse espaço do comum, saiando do pensamento de construir uma salvação, entendendo que não há diferenciação entre artista e publico, entre o performer e o seu espectador, todos nós constituímos uma comunidade que deve ser escutada. E ai deixamos de pensar em fazer uma arte para o publico e vamos fazer uma arte pública. 

(Altemar Di Monteiro - Roda de conversa: Quem é o Publico - Dialogo sobre formação de plateia - 20/06/2015 - sabacu da arte no sistema)

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