Eu sou um entusiasta do Sabacu,
acho que tem uma potencia poética muito singular, inclusive pelo titulo do
evento: Sabacu da arte no sistema.
De fato, esses sabacus podem ser dados no
sistema de outra forma, dependendo da forma como a gente pensa o sistema, e da
forma como a gente vai lutar contra ele, que não é o habitual.
Então existe uma
singularidade poética que suscita já uma novidade, uma forma diferenciada de
pensar. Quando eu fui convidado para esse dialogo sobre público: dialogo sobre
formação de plateia, e fiquei muito feliz porque é uma oportunidade da gente
pensar como dar um sabacu da arte no sistema junto com o publico. Quem é esse
público?
Eu fiquei pensando numa
questão que é a última e que pode ser a primeira: quantidade não é qualidade. Por
exemplo, o que nós, que somos oito significamos enquanto potencia de construção
deste sabacu? E esse exemplo, de
estarmos nós oito aqui, já é um modelo para pensarmos o que significa formação
de plateia, e com quem é que a gente quer dialogar, eu acho que é do pequeno,
do não-hegemônico, que a gente consegue construir, de fato, outras estruturas. Eu
fui recentemente assistir ao show da Ivete e do Criolo, e eu passei um tempão percebendo
a quantidade de gente que tinha ali, tinha muita gente. Tinha uma galera enorme
que curtia a Ivete e uma galera menor que curtia o Criolo, porque ele é menos
conhecido, mas houve ali um encontro entre as duas tribos, uma tribo gigante
que gosta da Ivete Sangalo e uma tribo nova que está tateando o que é o Criolo
e o que ele significa. Eu fico pensando em que canto a gente está, num exemplo
bem rasteiro. Nós somos Criolo ou somos Ivete?
Para que a gente possa ir
começando a pensar com que tipo de público a gente está falando, qual a
quantidade desse público, qual a qualidade dele, quando eu digo qualidade não é
dizer se é bom ou se é ruim, mas em que espécie ele se localiza nessa sociedade
explosiva de consumo em que a gente vive, onde tem tanta coisa pra se ver.
Então, nós estamos falando de um outro público, de uma outra plateia, de uma
outra formação de plateia, que importa a gente localizar isso, senão a gente
vai estar o tempo todo reproduzindo um discurso de Sistema. Onde o que importa
é a quantidade e não a qualidade. È importante a gente pensar como a gente pode
construir poeticamente esses sabacus. E pensar na gente como uma potencia de um
grupo de oito pessoas dialogando sobre um tema de interesse comum. De antemão
eu pensei nas palavras chave desse titulo: PUBLICO: DIALOGO SOBRE FORMAÇÃO DE
PLATEIA. São quatro palavras muito importantes.
Publico: Uma pergunta muito
singular a se fazer é quem é esse público? E o que é público. A palavra “público”
ela é muito dúbia. Às vezes a gente confunde público com plateia. Qual a
diferença entre público e plateia?
Dialogo: é uma palavra que tem
tudo haver com o que a gente precisa começar a pensar, essa via de mão dupla,
onde eu conversando com o outro estabeleço espaços de troca. Dialogo é a chave pra
gente pensar a ruptura com a colonização. A quebra com oque vem de cima para
baixo. Dialogo é à base de todo o nosso pensar, onde qualquer instancia de
formação de plateia deve se entender como um bem comum e não como uma coisa
diferenciada. Onde o artista vai trazer uma salvação para aquela pessoa que
está assistindo. Essa é uma cilada muito perigosa, porque de uma maneira geral,
os modelos que a gente tem de formação de plateia em Fortaleza, eles partem
desse principio. Nós vamos chegar, por exemplo, no Bom Jardim, vamos colocar um
centro cultural e nós vamos formar uma plateia ali, porque nós temos uma noção
muito aprofundada sobre o que é arte, e nós vamos levar para eles. Os jesuítas já
fizeram isso há muito tempo. Essa palavra “diálogo” abre portas para gente
pensar o sabacu. Pra gente não continuar reforçando modelos muito estranhos,
que estão sempre no caminho da verticalização dos processos, dessa coisa de
cima para baixo, onde a gente não constrói de fato um dialogo.
Formação: O que é formação? Nessa
palavra, dentro dela, existe a palavra “forma”, e oque é a gente enformar algo?
Um bolo é feito numa forma e por isso fica daquele jeito, bem bonitinho, e você
pode fazer milhares iguais. Formação é uma palavra muito perigosa, a gente
precisa discutir sobre ela porque também ela é um risco de cair nessa estrutura
catequizadora. A escola, as universidades, a igreja, a prisão... Enfim. Uma
serie de instituições com poder na sociedade e que estão interessadas em
formação. Essa palavra precisa ser discutida, não para ser descartada, mas para
a gente entender que ela é uma palavra complexa e que tem muitas questões nela
que a gente precisa entender para não cair no discurso da forma.
Plateia: A ideia de plateia é bem
singular na arte no contexto do século XX. Plateia é quem está lá para escutar.
Por exemplo, eu estou falando e vocês estão me escutando, mas acho que o ideal
aqui é que existam cortes para que a gente possa dialogar. Que a gente possa
construir outros fluxos de construção de pensamento. O que eu estou falando não
é necessariamente uma verdade, não é uma lógica que produz uma razão única e inquestionável,
muito pelo contrario, essa troca ela deve ser constante.
Pensar sobre essas quatro
palavras é uma chave para pensar o que significaria formação de plateia. Essas
palavras elas constroem relações. O dialogo é uma porta de entrada para pensar
no público e formação de plateia como duas palavras mais perigosas. Quando a gente
forma uma plateia a gente resolve um problema, traz para ela a salvação. E eu
acho que a gente tem que pensar é na desformação dessa plateia.
Porque nós
temos plateia formada, formada pela televisão, pela mídia, pela comunicação,
pela publicidade, pela propaganda, pelas instituições de poder, pela escola,
pela o que a escola é, por tudo o que as pessoas vivem elas já estão muito
formadas, elas tem uma maneira de olhar o mundo, elas tem uma visão sobre as
coisas. E ai a gente enquanto artistas, enquanto pensadores da cultura, vai
chegar e trazer uma nova forma, uma nova formação? Eu acho que a gente
precisaria pensar em como a gente desconstrói essa formação. Realmente uma
desformação de plateia, tirar as pessoas desse espaço da forma, porque assim o
sujeito pode caminhar para uma emancipação.
Como desformar uma plateia?
Como
desconstruir seu discurso?
É preciso desfazer ideias, formas. A gente como
artista, às vezes, nos achamos a solução do mundo. Mas acho que já há tantas
certezas no facebook, esse fundamentalismo religioso destruindo tudo, essas
crises politicas na América latina, são resultados dessas certezas e as vezes a
arte vai para o mesmo canto, colocando a realidade dentro de uma forma, para
levar para o publico, formar esse público para traze-lo para a gente. Enfim,
acho que precisamos desconstruir esse discurso, para que a gente encontre outras
formas de perceber a sociedade, a comunidade, formação, plateia, o que é
público e qual é o nosso interesse. Como fazer isso? Eu Não sei. Acho que a
palavra chave para nos ajudar a pensar nisso tudo é dialogo. No dialogo a gente
consegue construir o novo, a gente encontra com o outro, a gente se encontra
com uma possibilidade que a gente não conhece, as possibilidades que não
conhecemos é que são a potencia de reviravolta, até porque eu acho que o
mercado de cultura brasileiro já procurou tantas salvações e nenhuma delas deu
certo, muitas foram engolidas pelo sistema e viraram produto de mercado. Quando
a gente pensa um Sabacu da arte no sistema precisa ser asistêmico, para que a
gente consiga subverter a ordem.
A gente teve uma experiência agora
recente no “Jardim das flores de Plástico”, ele suscitou muitas questões ao
longo do processo, porque é um espetáculo em cortejo que acontecia com o
publico seguindo e em vários momentos dessas apresentações a gente tinha multidão,
em outros momentos não tinha, então quando tem menos gente eu posso construir
uma relação com o olhar, numa plenária maior, as relações de afeto são mais difíceis,
essa é uma questão para pensar. Existe uma singularidade nesse publico de oito
pessoas.
Que público é esse?
O que ele pensa?
Que teatro fazemos?
Com quem devemos dialogar enquanto
ato de escuta?
Quando a gente escuta o nosso
publico ele trás para a gente questões muito importantes, que fazem parte do
universo dele, da vida cotidiana dele, e que talvez ele nem saiba dizer. A
partir dessa escuta a gente consegue construir outros discursos.
É importante a gente notar que a
profusão de imagens que tem na periferia suscita uma beleza muito singular, ali
existe sim uma outra forma de pensar o mundo, e as vezes a gente não capta isso.
A gente vai no contrario, captando modelos e formas que não são nossas pra
levar para a periferia e mostrar que essa é a forma. E na periferia há uma
forma de se relacionar com a cidade que cotidianamente dá sabacus no sistema e
a gente nem percebe.
(Altemar Di Monteiro - Roda de conversa: Quem é o Publico - Dialogo sobre formação de plateia - 20/06/2015 - sabacu da arte no sistema)
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